Sair do armário pode ser muito traumático

Sair do armário pode ser muito traumático

Read Time:5 Minute, 48 Second

 

O processo de sair do armário pode ser muito traumático, pois assumir-se como uma pessoa não-heterossexual  é um momento de ruptura, de quebra em relação ao padrão heteronormativo de sociedade que nos afeta não apenas de fora para dentro, mas também de dentro para fora. Basta fazer um exercício de memória: como nos sentíamos antes de nos assumir, quanta culpa e confusão carregamos?

Felizmente, é cada vez mais comum que as pessoas LGBTQIAP+ tenham uma rede de apoio, o que permite que essa transição de sair do armário seja menos solitária. A diferença entre receber ou não auxílio nesse momento traumático é muito significativa. A dor sempre estará presente, mas com amor, virá acompanhada de seu antídoto. A transição para uma nova vida, já sem o peso da hipocrisia sobre nossos ombros, fica mais suave com o carinho de quem nos quer bem.
Amigues LGBTQIAP+
Mantretes para AFIRME. (2018, POA/RS) | Foto: Felipe Paiz

Responsabilidade das nossas escolhas

Mas mesmo que as condições sejam as melhores, trata-se de uma ruptura, e estas são violentas por definição. A decisão de tomar para si o caminho “desviante” é uma opção pelo confronto e é personalíssima. Por mais suporte que encontremos pelo caminho, a vida é só nossa e somos só nós que sentimos o peso da responsabilidade pelas nossas escolhas. É por essa razão, inclusive, que não se deve apressar o processo de saída de armário de ninguém, já que cabe a cada pessoa escolher o momento para dar esse passo.

Hoje eu falo com quem já passou por esse processo, construiu para si uma identidade não heteronormativa e está em paz com essa escolha. Sobrevivemos àquele duro processo e cá estamos, do lado de fora do armário, firmes e fortes quase sempre. Mas será que a luta acabou?

A resposta a essa pergunta também será uma decisão pessoal e íntima. Muitos de nós se assumem apenas para viver uma vida livre do peso da mentira e da ameaça de humilhação. Sair do armário é uma escolha que precisa ser respeitada, por uma questão de coerência: defendemos a liberdade de se ser quem se é, afinal de contas. Isso é incompatível com a pretensão de dizer a alguém como deve viver.

No entanto, há um outro caminho possível, que é significar a nossa jornada para além da nossa vida e escolher ajudar a tornar o mundo menos preconceituoso. Seguir no processo de ruptura com a sociedade, portanto, só que agora não de forma individual, mas sim pertencendo a um grupo que questiona e quer mudar a mesma matriz heteronormativa que nos colocou no armário. Escrevi que o apoio é capaz de aliviara dor. Não seria gentil disponibilizar nossa experiência pessoal em favor de outras pessoas que sofrem?

Se posicionar contra todas as opressões

Dentro da comunidade LGBTQ+, ainda há muito preconceito e precisamos falar sobre isso. No entanto, meu objetivo com esse texto é ir além e convidar todes a se posicionar contra todas as opressões. Fomos capazes de nos rebelar contra uma estrutura social que nos desumaniza ao condenar como errado, pecaminoso e até criminoso a nossa própria identidade. Não podemos cometer a mesma injustiça com outras pessoas.

As experiências de racismo e misoginia não são iguais às de LGBTQfobia, mas têm uma estrutura em comum: um grupo dominante que busca subjugar quem é diferente. Ainda assim, muitas pessoas LGBTQ+ seguem com comportamentos racistas e misóginos e esse é um erro que precisamos corrigir urgentemente.

Sair do armário é desistir de forma irrevogável do privilégio da heterossexualidade e isso significa sujeição à violência em algum grau, o que naturalmente causa medo. Uma forma comum de “compensar” esse medo é se agarrar a outros privilégios e por isso não é raro que homens gays cisgêneros e brancos, mesmo orgulhosos de sua sexualidade, reproduzam comportamentos transfóbicos, racistas e misóginos. O medo da posição de vítima leva a pessoa a tomar o papel de agressor.

Esse escape, contudo, é uma armadilha, porque o fetiche de impor superioridade a outra pessoa jamais vai apagar a dor de se sentir inferior. É inútil, portanto, com o agravante de reforçar o discurso de que ser “diferente” é ruim. Essa violência direcionada ao outro sempre volta. Quando saímos do armário, já cruzamos a linha para o lado do mundo desviante, essa palavra entendida como o que escapa ao padrão. Será que queremos seguir mendigando a tolerância do mundo padrão, apelando para a nossa pele branca ou para as coisas que podemos comprar? Eu não quero ser tolerado: exijo meu direito de ser o que eu quiser.

A liberdade de ser

Proponho que nos lembremos do exato instante em que nosso coração cansou de doer e nosso cérebro finalmente entendeu que não seria mais possível mentir. O momento em que enxergamos nossa alma e compreendemos que qualquer rejeição que pudéssemos encontrar na sociedade não seria maior do que a urgência de viver autenticamente. Foi imprescindível aceitar nossa diferença, pois a partir disso é que conseguimos construir nossa identidade. Seria maravilhoso se todas as pessoas pudessem experimentar essa mesma liberdade.

Temos que direcionar nossa energia na construção de uma outra cultura, que não a da violência, opressão e supremacia. A opção pela empatia e pela solidariedade é tanto mais eficaz quanto mais amplamente aplicada. Por isso, precisamos nos aliar aos outros grupos que desafiam o padrão social.

Nesse caminho, o primeiro passo é encarar com honestidade nossos próprios preconceitos e descobrir maneiras de desconstruí-los. Em seguida, precisamos parar de normalizar as atitudes preconceituosas que vemos no nosso dia-a-dia. Não estou falando apenas de situações explícitas, como quando uma travesti é atacada com uma lâmpada ou um homem negro é pisoteado por um policial branco. Estou falando também da piadinha transfóbica no ambiente de trabalho, do comentário racista do seu tio na festa familiar, da postura machista do seu amigo no bar. Precisamos imediatamente desnaturalizar esse tipo de discurso e acusar sua presença no cotidiano. Nossa rede de apoio deve funcionar também nesse sentido: que consigamos construir relações nas quais seja confortável apontar e ser apontado em seus preconceitos, já que essa atuação em rede potencializa a transformação social.

São exercícios, é claro.

É muito importante saber de antemão que não seremos constantes nessa batalha. Algumas vezes, a vitória parecerá impossível e é importante que sejamos gentis conosco mesmo. O desânimo faz parte do caminho e não significa que devemos desistir, apenas sinaliza nossa necessidade de descanso e carinho. Conversar com amigues e lembrar das nossas lutas individuais de tempos em tempos nos ajuda a manter o foco. Acima de tudo, manter o orgulho de ter escolhido o lado que que não sucumbiu à pressão da sociedade e decidiu mudá-la. Vamos juntes!

Confira produtos incríveis para sair do armário no site da LOJA AFIRME clicando aqui.

Clique aqui para saber mais sobre a AFIRME!

Pesquisa e texto por:
Vinicius P.S 
Viado, servidor público e problematizador.

About Post Author

Afirme Blog

Administrador do Blog
Happy
Happy
0 %
Sad
Sad
0 %
Excited
Excited
0 %
Sleepy
Sleepy
0 %
Angry
Angry
0 %
Surprise
Surprise
0 %

Average Rating

5 Star
15%
4 Star
23%
3 Star
8%
2 Star
8%
1 Star
46%

18 thoughts on “Sair do armário pode ser muito traumático

  1. Excellent post. I was checking constantly this weblog
    and I am inspired! Extremely useful info specially the
    remaining phase 🙂 I handle such info a lot. I used to be seeking this particular information for
    a very long time. Thank you and best of luck.

  2. This design is wicked! You most certainly know how
    to keep a reader entertained. Between your wit and your videos, I
    was almost moved to start my own blog (well, almost…HaHa!) Excellent job.
    I really enjoyed what you had to say, and more than that, how you presented it.

    Too cool!

  3. Hey there, I think your website might be having browser compatibility
    issues. When I look at your blog in Safari, it looks fine but when opening in Internet Explorer,
    it has some overlapping. I just wanted to give you a quick heads up!
    Other then that, awesome blog!

  4. Write more, thats all I have to say. Literally, it seems
    as though you relied on the video to make your point.

    You obviously know what youre talking about, why waste your intelligence on just posting videos to your weblog when you could be giving us something enlightening to read?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *